sábado, 5 de abril de 2008

Cadeira de balanço

Por Luciene Carvalho
Ilustração de Airon


Na quaresma da vida pouca coisa lhe restara: a cadeira de balanço e as lembranças. As saídas do casarão da Barão de Melgaço só nos dias de consulta com o Dr. Benevides. As visitas da família são cada vez mais rápidas e espaçadas, ela já não lembra os nomes de todos e as caras vão se misturando umas as outras à medida que o tempo se acumula sobre os dias. Velha não tem compromisso marcado.
Dos 6 filhos, só 3 estão vivos, dos netos já perdeu as contas, por vezes tenta refazer o quebra-cabeças de fotografias que enfeita a parede da sala com sorrisos e sobrancelhas que lembram os seus. Bobagem. Hoje em dia ela não pode esquecer é o remédio para pressão alta, o resto já não tem tanta importância. Essa é a maior lição que o tempo lhe trouxe: a pouca importância dos problemas urgentes, não há nada que o tempo não encubra.
O tempo levou o pai, alto funcionário do Banco da Borracha; a mãe, carola que morreu tão silenciosamente quanto viveu; levou seus 9 irmãos, deixando-a sem ninguém pra dividir recordações do tempo antigo; levou o marido – capitão do exército – mas esse, o tempo já levou tarde, lhe deixando pensão e alívio.
Na solidão de mulher velha de memória falha, pouco lhe restara: só a cadeira de balanço, as lembranças e esse pequeno ir e vir entre a varanda e o quintal; a conversa com as árvores e os passarinhos o que faz quando bem entende; esses vestidos de cores alegres e decotes mais frescos que só pode ter após a viuvez.
É verdade que muito, muito da memória se perdeu, porém, dentre o que restou, é recorrente a lembrança de um certo Cabo Tomé que freqüentou-lhe a casa quando os 40 anos gritavam a urgência do corpo. O rosto dele lhe volta aos olhos com mais força cada vez que sua caçula – a rapa do tacho – vem lhe visitar. Na hora de abençoar a filha na despedida, chama-a de Tomezinha e não se importa quando escuta o que sussurram de viés, lhe chamando de caduca.

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